O governo Lula vai inaugurar uma nova modalidade de relacionamento internacional: o meio-reconhecimento de um governo. No meio-reconhecimento, para todos os efeitos, não há um reconhecimento formal. Mas a posse do novo governante terá um representante da diplomacia brasileira, implicando, para todos os efeitos, um reconhecimento. Deu para entender?
Lula vem sendo pressionado pelos companheiros a reconhecer a vitória de Maduro. Há alguns dias, um abaixo-assinado de várias associações pedem ao “companheiro” Lula e ao “companheiro” Amorim o reconhecimento do novo governo venezuelano. Como sabemos, “companheiro” é o termo usado no movimento sindical para denominar os companheiros de luta, equivalente ao “camarada” nos partidos comunistas. Os argumentos da carta são, portanto, absolutamente desnecessários, estão lá pro-forma, sendo inútil tentar rebatê-los. O que importa é a luta contra a “extrema-direita”, e os “companheiros” Lula e Amorim são chamados às suas responsabilidades.
O envio da embaixadora à posse é uma tentativa desesperada de Lula de equilibrar-se entre os seus deveres de “companheiro” e o óbvio problema de reconhecer uma eleição claramente roubada. Daí o instituto do meio-reconhecimento.
Algo me diz, no entanto, que a esperteza vai engolir o esperto. A presença da embaixadora não reduzirá o barulho feito pelos companheiros, que querem muito mais do que isso, além de Maduro continuar xingando o presidente. E, ao mesmo tempo, enviar um representante é, afinal, reconhecer o novo governo, não existe isso de “meio-reconhecimento”, o que servirá como prova de que o apreço de Lula aos processos democráticos só vai até a página 2. Tentando agradar a todos, não agradará a ninguém.
Essa situação lembra o ajuste fiscal. Lula tenta agradar a todos fazendo um meio-ajuste, e acaba por desagradar a todos. Põe um pé em cada canoa, esperando o melhor dos dois mundos. Na medida em que cada canoa vai para o seu lado, Lula vai tendo cada vez mais dificuldade em se equilibrar, até cair na água.
Por Marcelo Guterman*
*Marcelo é Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e mestre em Economia e Finanças pelo Insper.
PS.: no abaixo-assinado, consta a assinatura da ABI, Associação Brasileira de Imprensa. Em sua página na web, a ABI coloca três mensagens em destaque: “democracia sempre!”, “liberdade de imprensa” e “direitos humanos”. O apoio a Maduro demonstra que as palavras, matéria prima do jornalismo, podem significar qualquer coisa para os jornalistas da ABI.