A manchete é bombástica: Bolsonaro teria recebido nada menos do que R$ 30 milhões entre março de 2023 e fevereiro de 2024, chamando a atenção do COAF para suspeita de lavagem de dinheiro.
Daí você vai ver o material do relatório da PF reproduzido na reportagem, e encontra a Tabela 1: Resumo de lançamentos a crédito. O maior item é o PIX, com cerca de R$ 19,3 milhões recebidos de aproximadamente 1,2 milhão de transferências, o que resulta em uma média de R$ 16 por transferência.
O segundo maior item é CDB/RDB. Ora, ninguém “recebe” dinheiro via CDB/RDB, a pessoa RESGATA de um CDB/RDB em que aplicou anteriormente. A própria reportagem afirma que houve depósitos de cerca de R$ 18 milhões em CDB/RDB no período. Então, obviamente, está havendo aqui dupla contagem, com a contabilização de resgates de aplicações financeiras como receitas novas e não explicadas.
Materialmente, a matéria não publica a Tabela 2, que certamente está no relatório e que explicita os débitos na conta de Jair Bolsonaro. A manchete reluzindo R$ 30 milhões é muito tentadora para nos perdermos nesses detalhes, não é mesmo?
No final de 2018, o canal Spotniks teve a oportunidade de fazer um vídeo bem didático (https://fb.watch/apzkzYeiFs/) sobre os negócios mal explicados do senador Flávio Bolsonaro para esconder seu esquema da rachadinha. Aquilo sim, cheirava à lavagem de dinheiro. Esses “R$ 30 milhões”, por outro lado, são só mau jornalismo.
Por Marcelo Guterman*
*Marcelo é Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e mestre em Economia e Finanças pelo Insper.


