“Primeiro, vieram buscar os socialistas, e eu não disse nada porque não era socialista…”. A advertência do pastor luterano Martin Niemöller, escrita após vivenciar os horrores do totalitarismo, é mais do que um lamento tardio – é um alerta atemporal sobre os perigos da omissão coletiva diante do avanço do autoritarismo. Cada silêncio diante de um abuso é um tijolo a mais no muro da arbitrariedade.
No último dia 22 de abril de 2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal praticou um desses abusos ao determinar, sem justificativa individualizada, a lacração dos celulares de advogados, jornalistas e até do deputado federal Marcel Van Hattem, durante sessão pública de julgamento. O motivo declarado: impedir gravações de ministros e servidores. O efeito real: violação das garantias profissionais da advocacia, da liberdade de imprensa e da transparência dos atos judiciais.
É preciso ser claro: prerrogativas profissionais não são privilégios pessoais, tampouco favores corporativos. São garantias institucionais essenciais para que o advogado possa atuar com independência técnica, em defesa de seus clientes diante do peso avassalador da máquina estatal. Quando o Estado fala por meio de seus juízes, promotores e autoridades, é a advocacia que se interpõe como escudo e voz do cidadão, lutando por um mínimo de paridade em um sistema estruturalmente desigual. Como ensina a Constituição Federal em seu art. 133, o advogado é indispensável à administração da Justiça.
Ao impedir o uso de celulares – ferramenta essencial à atuação contemporânea – o STF não apenas dificulta a prática profissional dos advogados, mas também compromete a própria noção de publicidade, garantida no art. 93, IX da Constituição Federal e reforçada no art. 367 do Código de Processo Civil, que estabelece como regra geral a publicidade dos atos judiciais, como audiências e sessões de julgamento.
Além disso, a decisão viola frontalmente o art. 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que assegura aos profissionais da área jurídica o direito de exercer sua função com independência, sem restrições arbitrárias por parte de autoridades públicas. A medida tomada pelo STF representa uma censura prévia e coletiva, absolutamente incompatível com os valores de um Estado Democrático de Direito.
Mais alarmante ainda é o sinal que esse ato emite para juízes de todo o Brasil. Se a Corte Suprema autoriza o cerceamento generalizado de direitos em nome da “ordem”, o que impedirá que magistrados de primeiro grau passem a lacrar celulares em suas audiências, sufocando a advocacia e afastando o cidadão do processo?
A Ordem dos Advogados do Brasil – instituição com papel histórico na defesa da democracia – não pode calar diante desse retrocesso. É hora do Conselho Federal e das Seccionais, como a OAB Rondônia, se posicionarem com firmeza, adotando medidas judiciais, institucionais e políticas para estancar essa violação de garantias fundamentais.
Hoje, lacram o celular de um advogado, de um jornalista, de um deputado. Amanhã, lacrarão as vozes que ousarem questionar. E se ninguém reagir agora, talvez já não reste mais quem possa reagir depois.
Porque, como nos lembra Niemöller, quando finalmente vierem por nós, pode ser tarde demais.
Por Juacy dos Santos Loura Júnior*
*Juacy dos Santos Loura Júnior é advogado militante e ex-conselheiro federal da OAB
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