Existe uma incongruência fundamental na tese de um complô do mercado financeiro contra o governo Lula.
A incongruência é a seguinte: por que estes que se unem para especular contra o governo o fazem somente agora? Onde estavam em dezembro do ano passado, quando o dólar estava em R$ 4,85 e as taxas de juros longas estavam abaixo de 10%, mesmo com a Selic em quase 12%? Por que somente agora acordaram?
E tem mais: se estes só ganham com a desgraça do governo, quer dizer então que estavam tendo prejuízo no final do ano passado? Por que o cartel deixou de funcionar na época? Por que só funciona em determinados momentos e não em outros?
O mercado é formado por muitos players. Para que a ideia de um cartel funcionasse, seria preciso reunir um número de players suficientemente grande para movimentar os preços na direção desejada, independentemente dos fundamentos. Mas se existe tal cartel, por que de vez em quando perdem o controle do mercado que supostamente controlam? Ou este cartel é também o responsável pelos bons números do final do ano passado? Se sim, por que não vimos ninguém acusando o cartel por aquele movimento, mas pelo contrário, vimos festa no governo e na Globo News pelos bons números? Quando os preços vão na direção “certa” o mérito é do governo, e quando vão na direção “errada”, a culpa é do cartel?
Miriam Leitão afirmou que o movimento do mercado não tem justificativa, não passa de histeria. Ela pode ter razão. Mas a mesma Miriam Leitão usava os mesmos preços do mercado para louvar o governo quando os preços eram favoráveis. Então, o mercado estava certo. Ora, cabe a questão: qual o critério utilizado para distinguir quando o mercado está “certo” e quando está “errado” (ou “histérico”)? Por que está errado agora e estava certo no final do ano passado? Aliás, para quem vendeu dólar no final do ano passado, o mercado então estava muito, mas muito errado.
A verdade é que a tese de um “cartel de especuladores” não para em pé, a não ser que seja um cartel que funciona “de vez em quando”. Coincidentemente, este cartel atua justamente quando o governo sinaliza que não está preocupado com o equilíbrio fiscal. Mas deve ser só uma correlação espúria.
Por Marcelo Guterman. Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e mestre em Economia e Finanças pelo Insper.