Um dos dois homens preso na Operação Trapiche, da Polícia Federal, deflagrada na quinta-feira, é morador de Brasília. Ele estava no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, voltando do Líbano, quando foi detido. O suspeito de ligação com o grupo terrorista Hezbollah negou envolvimento com a preparação de atos extremistas.
As ações ocorreram em São Paulo, Minas Gerais e no Distrito Federal e tiveram como alvo suspeitos de preparação de ataques terroristas, que estariam na fase de recrutamento — os aliciados seriam pagos para executar atentados em diversas cidades. As autoridades identificaram a viagem de brasileiros até Beirute, no Líbano, onde o Hezbollah se instalou, para treinamentos e instruções. Segundo fontes ligadas às investigações, a Embaixada de Israel seria um dos alvos dos ataques. Um cidadão libanês e um sírio, naturalizado brasileiro, são procurados no exterior.
De acordo com a jornalista Natália Martins, da TV Record, o grupo é investigado desde dezembro de 2022 — portanto, antes do ataque do Hamas contra Israel, em 7 de outubro, que deflagrou uma guerra na Faixa de Gaza. O Hezbollah ameaçou entrar no conflito em apoio ao Hamas.
A detenção dos suspeitos fez com que o gabinete do premiê israelense Benjamin Netanyahu emitisse nota dando a entender que o Mossad — o serviço secreto de Israel — orientou a PF para que ocorressem as prisões. As declarações provocaram irritação no governo brasileiro. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que “nenhuma força estrangeira manda na Polícia Federal” e enfatizou que “o Brasil é um país soberano”.
Esse foi mais um dos atritos que têm envolvido recentemente a relação do Brasil com Israel. O estremecimento aumentou com as frustradas tentativas de retirada dos 34 brasileiros que estão na Faixa de Gaza. Nesta sexta-feira, o anunciado resgate do grupo não se confirmou, devido ao fechamento da fronteira entre o Egito e o território que é epicentro da guerra no Oriente Médio.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, confirmou, nesta sexta-feira, que é Israel o responsável pelo controle da passagem fronteiriça de Rafah. “Israel tem uma palavra definitiva com relação a quem sai. Há militares de Israel em Gaza, e a abertura é feita do lado de Gaza com autorização e participação direta de Israel”, frisou.
A informação do chanceler desmente declarações contraditórias do embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine. Na última semana, ele disse que a responsabilidade pela lista seria exclusiva do Egito. Em seguida, reconheceu que Israel participaria do processo. Além disso, ante o fechamento da fronteira, responsabilizou o grupo terrorista Hamas pela demora na libertação dos brasileiros.
Bolsonaro
As constantes declarações do diplomata israelense já vinham incomodando o Planalto, mas, reservadamente, assessores dizem que o evento da última quarta-feira, em que Zonshine voltou a visitar a Câmara dos Deputados, onde se encontrou com ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e com parte da oposição, foi a gota d’água, um verdadeiro ato de hostilidade ao governo, o que tornaria a permanência do diplomata insustentável.
Questionado, Mauro Vieira respondeu que não conversa com Zonshine, mas, sim, com o chefe dele, o ministro de Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen. Diplomaticamente, o chanceler brasileiro disse desconhecer qualquer desconforto com o governo israelense e destacou a ótima conversa que teve com o homólogo israelense nos quatro contatos que teve.
No momento, a possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamar o diplomata israelense para prestar esclarecimentos está descartada. Assessores palacianos afirmam que a prioridade é resgatar os brasileiros que estão em Gaza. Por isso, qualquer protesto mais contundente poderia azedar a já difícil negociação de repatriação, ficando o caso do embaixador para outro momento.
Polêmicas em série
Além do encontro com Bolsonaro na quarta-feira, Zonshine vem construindo um histórico de controvérsias com a gestão Lula desde o início do conflito no Oriente Médio. Chegou a ser chamado pelo secretário de África e Oriente Médio, embaixador Carlos Duarte, há cerca de 20 dias, para dar explicações a respeito de críticas que fez ao posicionamento do brasileiro em relação à guerra entre Israel e Hamas.
Algumas das críticas foram feitas no Congresso, durante encontro com parlamentares da oposição, no qual reclamou das “brandas manifestações” de Lula sobre o conflito. Na ocasião, a diplomacia brasileira classificou o pedido de explicações como uma praxe diplomática. “Chamadas assim são parte da rotina, sempre que é preciso alguma conversa pessoal para esclarecer posições”, respondeu, na época, o Itamaraty ao Correio.
Zonshine também reprovou publicamente a posição do PT por questionar o ataque a civis palestinos na retaliação israelense em Gaza, o que gerou uma troca de notas públicas, no mínimo, ásperas, entre o diplomata e a legenda.